sexta-feira, 15 de novembro de 2013

[O Último Virtuoso] Capítulo 12 - Gran Festival - Parte I




“O mundo realmente dá voltas. Voltas eu darei em você. E voltas você dará no mundo” BRITO, A.N.

A semana começa e um fato curioso vem logo de cara. Preciso apresentar James e Amanda um ao outro. Detalhe que ambos dormiram comigo esse fim de semana. Me senti até um cafajeste... Mas não era hora pra pensar nisso. Tínhamos que correr com os preparativos do ‘Gran Festival’ e a empresa estava uma loucura. Logo que entro na sala vejo os dois se encarando em silêncio.

            — Bom, antes de prosseguirmos, devo apresentá-los um ao outro. Amanda, esse é James, o encarregado da empresa financiadora a acompanhar nosso projeto e conferir se o investimento está sendo bem feito. Ele também é formado em arquitetura e antes da sua chegada, ele me ajudou muito. James, essa é Amanda, uma aluna e profissional exemplar que se formou aos vinte anos e vai nos ajudar com a parte de marketing e divulgação.

Ambos se cumprimentam amigavelmente. Ainda bem que aquele clima tenso tinha passado. Trabalhamos juntos durante algumas horas e logo a hora do almoço chega. Me surpreendo ao receber o convite dos dois ao mesmo tempo. Ambos se olham e aquele clima nada amigável retorna... Eles esperavam a minha resposta. Com qual dos dois eu iria almoçar?
Ambos queriam ir para um lugar diferente do outro. Eis que a minha salvação entra pela porta. Acreditem se quiser, era Anne!

— Honey! Que ótimo te encontrar aqui ainda! Você me acompanha no almoço de hoje? Preciso discutir mil e uma coisas com você sobre o festival e... — observa o clima tenso.
— Bem, nesse momento eu estou tendo que decidir e...
— Leo, acho que o melhor a se fazer é ir almoçar com ela já que Anne precisa te falar sobre o festival — comenta James.
— Se é pra falar do festival, por que não? — ironiza Amanda.
— Vocês dois não querem vir conosco? — pergunta Anne.
— Eu vou almoçar perto da Soldi & Successo hoje. Preciso buscar um documento, mas logo volto pra cá — sorri e olha para Amanda.
— Eu vou almoçar aqui perto. Vou aproveitar pra encontrar uma amiga que trabalha na editora ali ao lado. Fica pra próxima, certo? Não pretendo demorar muito — sorri e olha para James.

Aqueles dois estavam me assustando. Mal se conheciam e já estavam trocando esses sorrisos nada amigáveis. Eles com certeza estavam vendo algo que eu não tava conseguindo enxergar. Anne dá uma risadinha e segura a minha mão, me puxando para fora.

— Vejo vocês dois depois do almoço!

O clima ali realmente não ficaria nada bom. James e Amanda se encaram por um tempo e logo ele resolve falar algo.

— Você... Garotinha... Por acaso está tentando mostrar algo aqui?
— Apenas o meu trabalho. Diferente de você, não é mesmo senhor?
— Senhor? Não é necessário me tratar com todas essas formalidades. Ainda mais quando vem incrementada com ironia.
— Bem... Não sei bem do que está falando. Apenas respondendo sua pergunta.
— Acho que temos uma situação incômoda aqui agora. Você está interessada no Leo?
— Claro que não! — responde com a cara toda avermelhada — De onde é que você tirou isso? Somos apenas colegas de trabalho!
— Você ficou nervosinha demais... Mulheres... Até hoje acham que enganam a nós nessa parte. Mais pontos pra achá-las tão irritantes.
— Por que quer saber isso? Você por acaso está... Interessado nele? Não que isso me importe, apenas quero saber já que me perguntou.
— Quem sabe... Leo é um rapaz muito interessante. É bonito, forte e tem qualidades incríveis.
— Você é gay então, senhor Dupont?
— Preciso responder mais alguma coisa? Bem... Preciso ir almoçar. Logo devo retornar pra ajudar o Leo — sorri daquele jeito irônico.
— Eu também! Ainda bem que meu almoço é rápido e aqui perto. Logo, posso vir trabalhar logo...
— Senhorita Belmonte... Posso estar errado, mas... Está me declarando uma guerra?
— Você é quem está tendo interpretações próprias do que eu digo. Entenda como quiser...

James desabotoa seu blazer, pega sua maleta, sorri para Amanda e enquanto seguia em direção à porta, olha para trás e diz:

— Então se prepare... Não abrirei mão dele tão facilmente e estou disposto a lutar — sai pela porta.
— Irritante! — diz Amanda que sai logo em seguida.

O meu almoço com a Anne não começou da melhor forma. Enquanto comemos ela me fez mil e uma perguntas e ficou insistindo na história de que Amanda e James estavam gostando de mim, falou de triângulos amorosos, cenas que viu em novelas... Que conversinha mais sem sentido! Apesar dos dois terem dormido em dias diferentes do fim de semana comigo, eu não acreditava em nada disso. James só quer a mim pela parte sexual e Amanda teve apenas uma recaída naquela noite. Ela mesma pediu pra esquecermos aquilo. Por isso decidi encerrar o assunto e partirmos para falar no festival. Anne então fica um pouco mais séria.

— Honey, o chefe pediu que eu te comunicasse algo. Vários executivos da Soldi & Successo virão no festival. Eles querem analisar o trabalho e o projeto. O objetivo não era te deixar mais nervoso, mas... Preferi te avisar aqui agora a você ter essa surpresa na hora.

Ela acabou de dizer algo que eu já sabia. Um desses executivos era nada mais nada menos que Phillip. Essa informação só reforçou mais ainda que eu teria que me encontrar com ele. O celular de Anne toca e ela se pergunta quem era, pois na tela aparecia um número desconhecido. Digo a ela pra não se preocupar e que podia atender. Anne atendo ao celular e ao ouvir a voz da pessoa que falava com ela, fica totalmente pálida e se sente desconcertada. Ela me pede licença e sai com uma expressão de tensão total. O que estava acontecendo?

Assim que ela sai começo a ter uma sensação estranha e tudo começa a ficar embaçado. Tudo estava girando e esse mal estar estava só aumentando. Vou ao banheiro do restaurante. O caminho foi longo e tenso, pois eu mal estava conseguindo enxergar direito. Ao chegar lá, me olho no espelho e meus olhos começam a mudar de cor. Aquele vermelho o preenche e começo a ficar ofegante. Este banheiro me lembra do dia em que entrei no banheiro da faculdade e alguém me deu uma pancada. Aquele fatídico dia!

 Vejo um vulto passar e risadas enchem aquele local. Era a risada dele... Sentia como se estivesse me vendo. O vulto entra em uma das cabines. Por impulso destruo a porta com um golpe certeiro usando a força da minha mão direita. Não havia ninguém ali. Olho para trás imediatamente e não vejo mais ninguém. Eu estava sentindo uma vontade imensa de matar e tento me controlar. De repente, um dos garçons entra no banheiro e me vê naquele estado alterado. Ele se assusta e olha no fundo dos meus olhos. O garçom tenta correr assustado, mas se surpreende ao abrir a porta e sair de dentro de uma cabine de volta ao banheiro e me ver outra vez. Ele se desespera e tenta sair do local novamente e vê que a porta não existia mais. O homem pergunta o que eu era. Eu permaneço imóvel apenas o encarando. Ele tenta lavar o rosto pra ver se não estava sonhando e a torneira não desligava. Todas as outras se destroem e ligam. Os vasos sanitários explodem e o banheiro começa a se encher de água. O garçom se ajoelha e pede para que eu o salvasse, pois morria de medo de lugares fechados e inundados. Eu apenas estalo os dedos e ele acorda no banheiro sozinho. Estava tudo intacto, exceto a porta que eu realmente havia destruído.  Porém, eu não estava mais lá. Acho que ele não gostou muito do sonho que teve. Que pena pra ele...

 Anne não estava mais lá. Olho para o meu celular e recebo uma mensagem onde ela dizia que teve um problema urgente pra resolver e que tinha ido. Que estranho... Ela não era de fazer esse tipo de coisa. Sem muito questionar, aproveito pra sair antes que fosse reconhecido pelo garçom. Volto ao trabalho e ao chegar a minha sala, vejo James e Amanda. Os dois haviam chegado antes de mim e ainda faltavam dez minutos pro expediente recomeçar. Fiquei surpreso, mas tentei agir como se nada estivesse acontecendo. Expliquei aos dois como trabalharíamos nos dias seguintes. Durante vários dias trabalhamos duro. Notei que James e Amanda mal se falavam e estavam a todo tempo querendo minha atenção e alfinetando um ao outro.

 Depois de muito trabalho, estávamos na véspera do evento. Que dia estressante e pressionante! Paramos quando já era bem tarde e sentamos exaustos.

— Hoje foi bem duro... Sinto meus ombros tensos! — comento.
— Não seja por isso — James se aproxima de mim por trás e começa a massageá-los — Agora vão ficar bem melhor. Se quiser, posso passar na sua casa hoje e fazer uma massagem bem melhor que essa.

Amanda se irrita ao ver aquilo.

— Que cena é essa? Vocês dois por acaso tem algum tipo de relação pra chegar a esse ponto?

James sorri, me dá um abraço por trás e diz:

— Mais do que você imagina, garotinha desbundada!
— O que disse titio bundão?
— Tio é o seu...! Pelo menos tenho um corpo que atrai muito mais o Leo. Ele adora pegar nela, diferente de você... Mulher chata!
— James, como é? — fico extremamente envergonhado.
— Idiota! Apesar de um bobão, aposto que ele prefere bem mais a delicadeza e a fofura de uma garota, não é?
—Acho que seu tempo já deu aqui menininha. Não é hora de voltar pra casa?
— O seu programa de meia idade não começou tio? Já devia estar em casa também!
— Chega! — grito — Vocês parecem dois adolescentes brigando por alguém! O que é que está acontecendo aqui?
— Você não percebe nada mesmo... Aff! — Amanda sai irritada.
— E agora essa? Não entendi...
— Mulheres... Se irritam por qualquer coisa. Só precisam de um motivo e já estão emburradas.
— James, o que está acontecendo aqui?
— É algo que você deve perceber. Bom, eu falei brincando, mas se quiser que eu vá até sua casa... Vai ser um prazer...
— Está tudo bem... Obrigado pela massagem. Agora vou indo. Tenho algumas coisas pra resolver. Amanhã é o grande dia.
— Leo... Essa sua expressão facial... Você ainda está com aquela ideia de se vingar daquele cara?
— Possivelmente...
— Não vale a pena... Olha, quando eu passei na Soldi & Successo hoje a tarde, vi o tal Neddfor. Ele estava ao lado do Regis Vincent e exalava uma bondade muito suspeita. Parecia cordial com todos que estavam vindo falar com ele. Está sendo uma das pessoas mais faladas da empresa. E digo mais... Tenho certeza que foram convidados para o evento.
— E por quem esse babaca estava acompanhado?
— Por uma mulher peituda e um bobão magro e alto cheio de curativos que estava segurando uma raquete.
— Exatamente como a Jennie disse...  Eles estão mesmo por aqui!
— Tem certeza que esse é o cara que te fez mal? Ele parecia tão gentil e inofensivo. E outra... Senti que ele tem uma proteção imensa. Tome cuidado pra não se meter em algo perigoso.
— Essa é a cara dele... Consegue enganar a todos, menos a mim! Ele é um ser humano extremamente egoísta e vive usando máscaras. Eu que digo a você pra ter cuidado com ele.
— Eu não cheguei a conversar com ele, mas...
— Por acaso acha que estou inventando tudo isso? Que sou maluco?

Acredito que meus olhos mudaram de cor. Eu não estava mais tendo controle sobre isso. James se assusta e pede que eu me acalme. Fui embora dali irritado. Ele parecia não acreditar em mim. No caminho vi que Amanda estava escutando tudo por trás da porta, mas nem falei nada. Ela também estava ciente de nossa conversa e minha reação. James tenta vir atrás de mim, porém eu fui mais rápido e saí correndo sem rumo. A minha cabeça doía. Lembrei de quando Jennie me disse que os virtuosos tinham a capacidade de apagar sua própria mente para não sofrerem com as coisas que podiam fazer. Cheguei a me questionar se não foi isso que eu tinha feito... Não! Eu sei que aquele cara é um mau caráter e não descansarei até tirá-lo do meu caminho!

Marky me encontra caminhando sem rumo. Ela tenta me acalmar e me leva para aquela pracinha onde eu costumava ficar refletindo. Naquele momento, memórias vêm até a minha cabeça.

— Marky... Você sabia que sempre me ajudou muito desde que a conheci? E sou muito grato a isso.
— Mestre... Eu sempre pude contar com a sua ajuda também! É apenas uma forma de gratidão pelo que fez por mim e também por que... Bem... — fica um pouco desconcertada e gaguejando como se quisesse dizer algo.
— Você é uma figura — passo a mão em seus cabelos — E de pensar que quando a conheci, era tão quieta e sem muitas expressões. Cheguei a pensar que você era um robô.
— Eu era mesmo...
— Lembro bem daquele dia... Do dia que eu te conheci no ‘Sanatório Ergus’.

Estava caminhando pelos corredores daquele lugar horroroso e escuto o som de gritos. Correria por todos os lados. Uma garota acabara de atacar um dos servidores. Não só atacar... O homem estava morto! Parece que ele tentara assediá-la. Mas, como não conseguiu nem se defender? Fiquei curioso para descobrir quem era ela. Vejo curtos e repicados cabelos de cor roxa. Um olhar triste e vazio que se cruza ao meu. Uma doce jovem que escondia seu carinho numa imagem de total dureza. Esse era o modo com que ela procurava se defender para sobreviver. Vejo uma notável semelhança entre nós. Era uma defesa contra o bicho mais perigoso de todos: o ser humano.
Um grupo de seguranças altos e fortes seguram a garota e a prendem com um dos horrorosos dispositivos daquele inferno. Eu havia passado por isso quando cheguei aqui. Em comparação a mim, ela parecia perfeitamente calma e não esboçava reação alguma. Lembro de ter tentando lutar contra esses seguranças e rapidamente fui contido e dopado. Um mês aqui e já estava adestrado ao sistema. A minha visão muda quando nossos olhares se encontram. Consigo fazer uma leitura daqueles belos olhos. Era como se ela me suplicasse ajuda. De início não fiz absolutamente nada, mas logo minha consciência pesou. Eu estava tão bem na visão dos superiores daquele lugar... Ia acabar com essa “ficha limpa” agora...
Decidi seguir os seguranças, que agora eram apenas dois, mas que valiam por uns quatro. Eles deviam ter mais de dois metros de altura e eram bem fortes! Só que o complicava mais era o uso dos dispositivos. Eles podiam nos dopar a qualquer hora... Éramos seres sem direito a escolha e totalmente vulneráveis. Percebi que estavam a levando para a zona de castigo. Com certeza iriam torturá-la. E por que eu estava mesmo me metendo nisso?
Estavam de fato seguindo para uma das câmeras de tortura. Os “pacientes” que infringissem radicalmente as regras, poderiam ser levados até ali e experimentavam dores ao ponto de suplicar pela morte. Eu os seguia discretamente e a garota percebe. Ela não demonstra muita coisa, mas sinto que estávamos conectados e ela saberia o que fazer. Os dois seguranças riem e debocham enquanto a enchem de tapas. Aquilo era desumano! Ela estava meio dopada e mal conseguia se defender. Vejo sangue sair do seu rosto e rapidamente me veio a figura da minha mãe... O seu corpo em uma poça de sangue. Sinto meus instintos ferverem e parto para cima dos dois. O primeiro eu empurrei dentro da câmara e ele não conseguia mais sair. Naquele dia descobri que tinha uma força muito grande no braço direito. O outro tentou me atacar e apenas encarei. O brutamonte fica hipnotizado. Estava tendo um pesadelo que eu proporcionei. Me assustei com aquilo, pois eu podia assistir tudo. A garota se levanta e me dá um tapa pra que eu retornasse a mim. Sem falar, ela apenas segura minha mão e aponta para saída. Corremos juntos pra fora dali...”

— Mestre! — Marky me chama — Não é melhor ir descansar? Precisa recuperar as energias para o festival amanhã à noite — ela esboça um sorriso lindo que eu nunca tinha visto antes.

— Certo... — não consigo retribuir muito o sorriso dela.

Marky pergunta se queria uma carona. Eu apenas disse que queria voltar a pé pra casa e refletir um pouco. Ela se despede de mim e pede que eu tome cuidado. Como isso tocou o meu coração. Olho para o outro lado do parque. Ali mais adiante havia algumas grades quebradas que eram portas para uma cidade abandonada onde diziam ser um submundo. Mesmo assim não me dava medo e começo a refletir. Nem todos os seres humanos são tão desprezíveis assim... Marky... E até o Lucas, que conheci depois... Sempre estiveram me ajudando. E eu sempre pensei numa relação de troca onde cada um estava apenas fazendo favores aos outros... Acho que é mais do que isso... Nunca parei pra ver que eu não estava mais sozinho. Até em meio a brigas no expediente... Amanda e James têm mudado a minha vida aos poucos... Será que posso chamar algum desses de ami...

— Ora, ora... Há quanto tempo... Leo Cavallini...

A cena a minha frente me fez congelar por dentro. Bruce, Bianchi e Thales... Ou melhor... Phillip Neddfor... Os três estavam a minha frente.


[CONTINUA...]

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